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G1 | ‘É possível reduzir suas emissões e crescer’, diz Tony Blair

Crédito: Divulgação

Para ex-premiê britânico, visão de que desenvolvimento econômico e preservação ambiental são incompatíveis significaria condenar países do terceiro mundo à pobreza

A visão excludente de que desenvolvimento econômico e preservação ambiental são incompatíveis significaria condenar países do terceiro mundo à pobreza. O argumento, esboçado pelo ex-primeiro-ministro do Reino Unido Tony Blair, indica uma ideia que perpassa o discurso do político trabalhista a respeito da crise climática: o debate sobre o tema precisa ser inclusivo e levar em consideração não só a realidade dos países desenvolvidos.

“É loucura estar numa situação em que tentamos impedir países de desenvolver suas reservas de gás natural em circunstâncias em que a alternativa, na África, por exemplo, seria queimar lenha”, disse Blair ao Valor, em entrevista durante a Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, em Belém.

No Brasil a convite do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que promove a conferência, Blair se permitiu até uma dose de autoironia durante sua participação no evento: “Na política, você começa mais popular e menos capaz e, quando você sai, é menos popular e mais capaz”. Até assumir o posto, no qual permaneceu de 1997 a 2007, nunca havia exercido cargo no governo, explicou ele à plateia.

Hoje, compartilha sua experiência na estruturação de políticas públicas com líderes de aproximadamente 40 países da África, do Oriente Médio, do Sudeste da Ásia e da Europa Oriental, onde atua o Instituto Tony Blair para a Mudança Global. Na pauta da entidade estão temas como transição energética, descarbonização e novas tecnologias sustentáveis.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: No Brasil, ao longo dos últimos anos e também em 2023, tem se discutido se desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente são objetivos opostos. É possível perseguir de maneira bem-sucedida as duas metas simultaneamente?

Tony Blair: Eu acho que é necessário perseguir os dois objetivos ao mesmo tempo. Obviamente, pode ser um desafio porque a razão pela qual temos um problema com o clima é por causa do desenvolvimento econômico ocorrido no mundo. Por outro lado, hoje enfrentamos duas realidades e deve haver uma maneira de conciliá-las. Uma realidade é de que países querem se desenvolver e isto não vai acontecer só no Brasil, na América do Sul. Vai acontecer no Sudeste da Ásia, na África, eventualmente, onde a população vai dobrar nos próximos 30 anos. Então, a necessidade de desenvolvimento é uma realidade. Por outro lado, o clima é outra realidade. Ele está mudando e está mudando como resultado da atividade humana. E você não pode realmente negar isso de forma sensata. Então, a questão é como conciliá-los [os dois objetivos]. E acho que há apenas duas maneiras de fazer isso. Uma é encontrando os mecanismos financeiros corretos para permitir que a transição energética aconteça. Para que, à medida que os países se desenvolvem, eles façam isso com energia limpa. Em segundo lugar, precisamos investir nas tecnologias do futuro. Porque a resposta, no fim, será a tecnologia.

Valor: Num momento que Europa e Estados Unidos estão investindo pesadamente para viabilizar projetos relacionados à transição energética, o Brasil tem chances reais de disputar recursos internacionais para financiar este tipo de empreendimento?

Blair: Depende pelo que você está competindo. O Brasil está a caminho de produzir, acho que em 2040, quase metade de sua energia a partir de fontes renováveis. Obviamente vocês têm um potencial enorme para [geração] eólica e solar. E vocês têm um tremendo potencial para hidrogênio verde. Então, não há nenhuma razão pela qual vocês não possam, ao mesmo tempo, desenvolver seu setor de energias renováveis e também ter uma indústria inteiramente nova desenvolvida em torno do hidrogênio verde […]. O que o mundo desenvolvido está fazendo é reduzir suas emissões e, portanto, mostrando que isso pode ser feito. Mas, como eu disse, nós precisamos investir nas tecnologias do futuro. Nós podemos reduzir a demanda de energia enormemente com uma rede [elétrica] melhor, através do uso de materiais melhores e por meio da captura de carbono, uma tecnologia de enorme importância. Há muito investimento em geração nuclear de energia, até mesmo em [futuras tecnologias] de fusão nuclear. Então, haverá soluções tecnológicas para isto.

Valor: Conforme já aconteceu no passado?

Blair: Eu me lembro que a geração eólica e a solar não eram competitivas há talvez 20 anos e hoje são altamente competitivas. O fato é que vamos ter de achar uma maneira para permitir aos países se desenvolverem de forma sustentável. […] A polarização da discussão [sobre desenvolvimento versus preservação ambiental] é, em última análise, um absurdo porque ambas as realidades existem. E, se ambas existem, você tem de encontrar uma maneira de fazê-las coexistirem.

Valor: A dependência mundial em relação aos combustíveis fósseis não vai acabar do dia para noite. Como podemos conciliar metas de sustentabilidade de longo prazo com a necessidade imediata de consumo de petróleo, gás e até carvão?

Blair: Com a mudança climática, você precisa isolar alguns problemas e analisá-los especificamente. Tem o desmatamento, que é obviamente uma parte do problema: como evitá-lo? Mas você só pode evitá-lo se houver fontes alternativas de emprego para as pessoas e uma economia alternativa que se desdobra a partir da proteção ao meio ambiente. É por isso que aqui, no Estado do Pará, eles estão tentando se mover em direção a uma bioeconomia. Há também um outro aspecto, que é o de setores como o de petróleo e gás, o de aço, o de alumínio, o setor químico, que vão ter novamente de encontrar soluções para seus altos níveis de emissões de carbono. No futuro estaremos diante de um combustível de aviação sustentável. Estaremos mudando para veículos elétricos ou, pelo menos, para a energia limpa para o transporte. Todas essas coisas vão exigir muitas mudanças, muitas adaptações.

Valor: Essas mudanças já são visíveis no Reino Unido, por exemplo?

Blair: No Reino Unido, já desvinculamos o crescimento [econômico] do aumento no consumo de energia proveniente de combustíveis fósseis. E levamos um período significativo de tempo para fazer isso. Mas é possível reduzir suas emissões e crescer.

Valor: O Brasil e alguns países em desenvolvimento possuem vastas reservas de minerais estratégicos mas, ao mesmo tempo, têm sido ao longo de décadas ou séculos meros exportadores de commodities. A demanda crescente por esses insumos estratégicos para a transição energética pode beneficiar o país?

Blair: Em termos potenciais, o Brasil tem obviamente uma enorme oportunidade econômica. Alguns dos minérios [produzidos no país], como o de ferro, são bastante “tradicionais”, mas nós continuamos precisando fabricar aço. Então, continuará a haver demanda por ele. Mas outros dos seus minerais, como o lítio, vão ser vitais para as tecnologias relacionadas a baterias e para a criação das fontes de energia renovável que desejamos. […] O Brasil é um dos três ou quatro países mais importantes do mundo em relação ao clima. Tanto por ter a floresta tropical como por contar com esta extraordinária reserva mineral, que, se for explorada e desenvolvida corretamente, pode desempenhar seu papel na revolução verde.

Valor: Na sua participação na Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, o senhor disse: ‘Não posso dizer a um líder africano que o país dele não pode se desenvolver para conseguirmos atingir as metas de emissões [de carbono]’…

Blair: Acho que a questão está também em ser sensível e não dogmático. Por exemplo, o gás vai ser um combustível de transição. É loucura estar numa situação em que tentamos impedir países de desenvolver suas reservas de gás natural em circunstâncias em que a alternativa, na África, por exemplo, seria queimar lenha. Ou usar óleo combustível pesado. Meu argumento é de que é preciso trabalhar em soluções que sejam práticas e, ainda assim, radicais.

Valor: Ainda na sua palestra na conferência, o senhor pontuou que é muito mais fácil falar do que fazer e que, na política, muita coisa não vai além do discurso, não é realizada. A mesma coisa acontece no enfrentamento às mudanças climáticas?

Blair: Temo que sim. Porque, quando você olha para as discussões sobre o clima, na realidade há cerca de 20 países que realmente importam nesse debate. Infelizmente, diplomacia internacional não tem a ver com números, mas com força. E a verdade dos fatos é que Índia, China, Brasil, Indonésia, Rússia, Arábia Saudita Se você olhar para os maiores países em termos de emissões, a menos que nós solucionemos os problemas que eles têm, como em relação ao desenvolvimento, [não vamos chegar a uma saída]. Vamos pegar o exemplo da Índia. O país precisa crescer, a população precisa de empregos, de acesso à energia. Por isso, acho que a melhor maneira de lidar com essa discussão sobre a mudança climática é focar em problemas específicos em vez de fazer promessas grandiosas que nunca dão em nada, de acordo com a minha experiência.

Valor: Estamos conversando sobre o papel dos Estados nacionais no combate à mudança climática, mas como será esse Estado do século XXI?

Blair: Eu não o chamaria nem de [Estado] mínimo nem de burocrático, mas de estratégico. E a razão para isso é que você precisa do Estado. Ele desempenha um papel importante socialmente e economicamente. Mas a revolução tecnológica em curso, especialmente a da inteligência artificial, deve mudar completamente a forma como o Estado funciona. Há toda uma série de processos que podem ser automatizados de uma forma que você possa interagir diretamente com o governo pelo seu telefone celular. E há países que começam a automatizar sistemas de planejamento, parte do sistema legal. A área de serviços médicos deve passar por uma revolução completa, na qual tudo vai girar em torno da prevenção, e não simplesmente da cura. Porque você vai poder diagnosticar melhor as doenças, desenvolver planos de tratamento individuais para problemas médicos individuais. Há toda uma gama de mudanças que vai ocorrer e que vai tornar a maneira do Estado funcionar bastante diferente. E, provavelmente, de uma forma muito mais estratégica sem a necessidade de uma burocracia pesada.

Valor: Na última quarta-feira, durante a palestra de abertura desta conferência internacional, o ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas Ban Ki-moon disse que falta vontade política para combater as mudanças climáticas e que muitas vezes os políticos estão mais interessados em se reeleger. O senhor concorda com essa afirmação?

Blair: Legitimamente, políticos sempre querem ser eleitos. Não acho que esse seja um novo fenômeno. Acredito que é possível assumir as posições corretas sobre assuntos como o clima e ainda assim ser eleito. Mas você precisa ter um plano estratégico. E eu acho que não é tanto uma questão de vontade política. É ter a estratégia política que permite a você lidar com os problemas imediatos das pessoas enquanto constrói as fundações para o futuro. E essa é a arte da política. No momento, os líderes políticos estão lutando para encontrar uma maneira de fazer a coisa certa e, ao mesmo tempo, serem eleitos.

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